Carlos Ayres de Almeida foi o nome que recebeu na pia batismal. Nasceu em Santo Amaro, no distrito de Bom Jardim, no ano da graça de 1914. Filho do guarda livros Luis Ayres de Almeida e de D. Maximina Viana de Almeida, fez o seu curso primário e o ginasial no Colégio Antonio Vieira em Salvador. Em 1932 ingressou na única Faculdade de Medicina do país, a da Universidade Federal da Bahia.
Veja abaixo a entrevista concedida por Carlos Ayres de Almeida, eminente médico da nossa cidade, (50 anos servindo a comunidade) grande lutador pela independência do nosso município e primeiro Prefeito do Município de Piritiba, ao Repórter Dario Lopes do PiritibaNet, em 26/10/2002.
Dr. Carlos – Não. Nenhum irmão ou parente mais próximo, só meu filho Ivan.
PN – O Senhor participou da política estudantil?
Dr. Carlos – Sim. No Diretório Acadêmico, tive grande participação. Tudo ali era comigo, toda articulação.
PN – Devido a sua atuação na política estudantil, chegou a ser preso?
Dr. Carlos – Sim. Na época da revolução liderada por Juracy Magalhães, fui preso como agitador. Fui eu que movimentei o povo. Nessa época houve um tiroteio e a polícia crivou de balas a Faculdade de Medicina e fomos obrigados a nos entregar. Eu e mais dois colegas fomos presos na Penitenciária do Estado. Ficamos durante 4 dias, incomunicáveis.
PN – O Senhor chegou a ser o Presidente do Diretório acadêmico?
Dr. Carlos – Sim.
PN – O Senhor trabalhou antes de ser formado, que tipo de trabalho?
Dr. Carlos – Sim. Trabalhei na cidade de Catu-Ba e no bairro da Calçada em Salvador, dentro da área médica.
PN – Em que ano conheceu sua esposa, D. Lipinha?
Dr. Carlos – Eu conheci a Maria Alípia em 1940, numa festa na casa do Sr. Abílio em Piritiba. Firmei o compromisso, numa festa de São João na casa do Prof. Oswaldo Macêdo.
PN- Em que dia e ano se casou?
Dr. Carlos – No dia 29 de dezembro de 1942.
PN-Quantos filhos teve?
Dr. Carlos – 7 filhos: Sônia, Lucimar , Gilca, Ivan, Márcio, Maria de Fátima e Marluce. Também criamos uma menina como filha, a Margarete.
PN - O Senhor serviu o Exército?
Dr. Carlos – Sim. no CPOR.
PN – Quando chegou à Piritiba?
Dr. Carlos – Cheguei à Piritiba, em dezembro de 1939. Primeiro trabalhei em Senhor do Bonfim com o Dr. Antonio Gonçalves, onde obtive grande experiência profissional, principalmente na parte prática. Depois trabalhei um pouco em Miguel Calmon e depois passei para Jacobina. Em Jacobina fiquei um ano e pouco, trabalhando na séde, em Jabuticaba e nos garimpos. Arranjei também um emprego para trabalhar em Canavieiras e Catinga do Moura. Por último trabalhei uns seis meses no França
PN – Quando chegou à Piritiba, qual a População da cidade?
Dr. Carlos – Piritiba era um Arraial pequeno, cerca de uns mil habitantes, mais ou menos.
PN – Quando conheceu o Farmacêutico Aloysio Cedraz?
Dr. Carlos – No França. Fui médico da farmácia dele. Foi ele que levou-me para Piritiba. Estava acontecendo no França um surto de malária muito grande, que afetou toda a sua família, desde sua esposa até todos os seus filhos. Aí ele disse: “Compadre, vamos sair daqui, porque senão morre todo mundo. Eu já estava decidido a ir para Salvador, quando ele me convenceu a vir para Piritiba, que era um arraial que estava crescendo e não tinha médico.
PN – Quais as dificuldades que encontrou para exercer a profissão em Piritiba?
Dr. Carlos – A maior dificuldade foi na área de Enfermagem. Não havia ninguém com experiência nesta área. Isto proporcionou grande dificuldade, principalmente na parte empírica. a medicina naquele tempo não tinha os recursos modernos, de sorte que eu senti grande dificuldade, tanto na parte de ginecologia como obstetrícia. Quem me ajudou muito, foi D. Cota, parteira experiente e que contava com algum conhecimento, além de ter muito asseio.
PN – Quais as doenças mais freqüentes nessa época?
Dr. Carlos – Malária, Shistosomose e Doença de Chagas.
PN – Quando esgotavam os recursos em Piritiba, encaminhava os doentes para onde?
Dr. Carlos – Para Jacobina-Ba, através da Estrada de Ferro, ou então para Senhor do Bonfim-Ba, quando o caso era mais grave.
PN - Os partos complicados, que necessitassem de cesariana, onde eram realizados?.
Dr. Carlos – Resolvia lá mesmo. Naquela época não se falava em cesariana. Era Versão Podálica e Fórceps. Eu fazia com a ajuda de Deus e D. Cota.
PN – Quando iniciou sua vida política em Piritiba?
Dr. Carlos – A princípio não queria saber de política. Era um homem pobre, que precisava viver, viver de clínica, de sorte que não queria me meter em política, mas fui forçado a entrar na política devido a um acontecimento desagradável. Neste tempo Piritiba pertencia ao município de Mundo Novo e o Prefeito era Dr. Adalberto. Houve uma epidemia de tifo em Piritiba que andou matando várias pessoas e crianças em Piritiba. O Matadouro público era na antiga usina de luz (hoje Delegacia de Polícia) e não a mínima higiene. Dr. Adalberto passando por Piritiba, fui e disse a ele: Colega, vou lhe fazer um pedido como profissional. Estou aqui há pouco tempo e sei que o Senhor é o Prefeito, dê um jeito de tirar este matadouro deste lugar, levando para um local mais longe, fora da cidade, pois está acontecendo vários casos de tifo que tem matado muitas crianças. Ele respondeu grosseiramente. Ayres, cuide de sua profissão e esqueça este povo. Aquela resposta me chocou. Não lhe respondi nada, mas no mesmo dia, convoquei vários amigos, como: Davino Tiete, Gil Martins, Dona Cota, Aloysio Cedraz e disse: nós precisamos fazer uma política, para trabalhar pela emancipação de Piritiba. A resposta de Dr. Adalberto me indignou bastante. Precisamos tomar uma atitude séria. Se vocês quiserem, eu tomo a frente. Todos acharam de acordo. Daí por diante eu comecei a publicar cartas abertas à população que era rebatido pelo mundonovense Eulálio Mota. Isto aconteceu em 1941, 1942, por aí. O primeiro artigo que escrevi, intitulei: “Libertas, Que Sera Tamem”
PN – Dr. Carlos, porque o Sr. Eulálio Mota era tão contra a Emancipação de Piritiba?
Dr. Carlos – Eu vou lhe dizer. Eulálio Mota era Integralista e o Procurador Geral da República naquele tempo também era Integralista, de sorte que eles não queriam a separação, principalmente porque o Distrito de Piritiba era o que mais rendia para Mundo Novo. Piritiba toma impulso de progresso, com seu povo mais adiantado, mais civilizado, e seu comércio mais importante e a renda de Piritiba, favorecia muito a Mundo Novo. Desagregando Piritiba, Mundo Novo era um fracasso.
PN – Quando finalmente Piritiba se emancipou de Mundo Novo, quem foi designado gestor?
Dr. Carlos – O Sr. Otávio Souza Santos, foi designado Gestor, pelo Governador Régis Pacheco, até as próximas eleições.
PN – Aí vieram as eleições e o Senhor se candidatou a Prefeito. Conte esta experiência.
Dr. Carlos – Fui candidato a Prefeito pelo PSD (Partido Social Democrático). O meu adversário foi o Sr. Dionísio Almeida pela UDN (União Democrática Nacional que na época liderada pelo governador Juracy Magalhães). Venci as eleições com 222 votos de frente.
PN – Quais as maiores dificuldades que o senhor encontrou em sua administração?
Dr. Carlos – Inúmeras dificuldades. Para começar, não tinha Prefeitura. Não tinha móveis. Não tinha nada. Provisoriamente, aluguei o prédio onde funciona até hoje a Prefeitura Municipal, fazendo uma coleta entre os amigos, comprando inclusive uma máquina de datilografia usada (velha). Nomeei Valdé de Mestre Amancio minha Secretária e meu braço direito, que me orientava em tudo, foi Milton Sampaio. Milton foi propriamente o Prefeito de Piritiba, porque eu não entendia nada de Prefeitura.
PN – Aí veio a queda e depois a restauração do Município. Como foi este episódio?
Dr. Carlos – Por interferência de Eulálio Mota, que procurou o Procurador Geral da República que era Integralista como ele, e conseguiu no Supremo Tribunal Federal tornar ilegal a emancipação do nosso município. Então vieram à Piritiba, o Prefeito Oswaldo Vitória, o Padre Nicanor e o Juiz de Direito da Comarca de Mundo Novo, que não me lembro o nome, para eu assinar um documento e entregar o Município. Eu disse que não assinava e nem entregava nada. Somente ao Governador que na época era o Dr. Antonio Balbino. Eles aí me ameaçaram. Disseram que eu estava contra a lei, etc. Aí cheguei até a janela e mostrei a eles. Olha aí porque é que não entrego a Prefeitura. Já tinha uma multidão em frente à Prefeitura. O povo querendo apedrejar o carro do Prefeito de Mundo Novo e até tocar fogo. Foi quando eles me pediram para levá-los até o carro e sair com eles até a estrada que liga Piritiba a Mundo Novo.
PN – E aí o que aconteceu?
Dr. Carlos – Desci imediatamente à Salvador, relatei o caso ao Governador Antonio Balbino, que de pronto me respondeu. Aí o Governador me perguntou: “Você está com medo”? Eu respondi – não. Então volte e não entregue nada. Enquanto eu for Governador, Piritiba é município e o senhor o seu Prefeito. O Governador simpatizou com a minha atitude e me deu todo apoio, ainda me arranjou uma verba de 25 Contos de réis para tocar as nossas pequenas obras. Aí tomei alma nova. Fui recebido com festa em nossa querida cidade.
PN – E a restauração oficial do Município, quando se deu?
Dr. Carlos – Pouco tempo depois, formei uma Comissão de amigos: Milton Sodré, Davino Tiete, Joaquim Sampaio Neto, e outros piritibanos e procuramos o Dr. Waldir Pires que era Deputado Estadual e entregamos o caso a ele. Waldir criou uma Lei, se não me engano a Lei 110, restaurando o Município de Piritiba.
PN – O Que o Senhor gostaria de ter realizado que não conseguiu?
Dr. Carlos – Apesar de todas as dificuldades e com pouco dinheiro, conseguimos fazer o primeiro calçamento de uma rua em Piritiba, a Alameda Sampaio. Colocamos meio fio em todas as ruas. Refizemos a estrada do Andaraí, a estrada de Areia Branca. Fizemos o Barracão da Feira de Andaraí. Conseguimos um Motor de Iluminação Pública mais possante do que já tínhamos. Substituímos todos os postes de iluminação pública. Aí Piritiba já pôde ter carnaval, festa de fim de ano, natal, serviço de alto falantes (meu locutor era Nelson Martins – não ganhava um tostão e ainda levava bronca quando chegava tarde)
PN – O Senhor conseguiu fazer seu sucessor?
Dr. Carlos – Sim. Elegemos Joaquim Sampaio Neto com 777 votos de frente, contra o mesmo Dionísio Almeida.
PN – Fale um pouco da vida social após a emancipação?
Dr. Carlos – Eu acho que Piritiba, foi um dos municípios que cresceu avantajosamente entre os demais vizinhos, como Mundo Novo. O progresso de Piritiba, não só do ponto de vista econômico, como social e político. Piritiba hoje é uma cidade importantíssima e de muito valor. Relativamente com o meu tempo, não tem nem comparação. Piritiba cresceu e hoje é uma geração nova, a população do meu tempo, já morreu quase todo mundo. Os Prefeitos trabalharam muito em prol do benefício de Piritiba.
PN – E a vida social e o lazer de sua família, como era?
Dr. Carlos – O nosso lazer era freqüentar o cinema (Cine Vogue do Sr. Albino), uma festinha de são João, Carnaval, Ano bom, Aniversários. Não tínhamos Sociedade e Clubes. A Sociedade 27 de Setembro, só funcionava no Carnaval.
PN – Com relação a seus filhos, o Senhor influenciou na escolha de suas profissões?
Dr. Carlos – Não. Todos decidiram por si. A formação básica começou em Piritiba na Escola Almirante Barroso. Depois uns foram para Jacobina, outros aqui para Salvador. Sonia e Lucimar estudaram no Colégio das Sacramentinas em Senhor do Bonfim e Ivan no Colégio dos Maristas, também em Senhor do Bonfim. Depois todos vieram para Salvador.
PN – Qual sua maior frustração como médico, numa cidade pequena do interior, como Piritiba?
Dr. Carlos – A falta de condições. Doentes que precisavam de transplante cardíacos (sofriam mal de chagas) e que morreram sem este atendimento. A Doença de Chagas matou muita gente. Não tinha um doador de sangue.
PN – O Senhor viveu quantos anos em Piritiba?
Dr. Carlos – 52 anos.
PN-Já lhe concederam o título de “Cidadão Piritibano”?
Dr. Carlos – não.
Nota do repórter: Acho que Piritiba tem uma grande dívida com este ilustre médico, que dedicou toda a sua vida em prol da comunidade piritibana. Uma dívida de reconhecimento pelo seu trabalho médico, pela sua luta na busca da nossa emancipação e pela brilhante administração inicial, apesar dos parcos recursos. Parabéns Dr. Carlos Ayres de Almeida pelo grande coração piritibano que tem. Parabéns toda a sua família, bem sucedida e que não esquece o torrão natal.
Sensacional. Mais que merecida homenagem a esse grande médico que escolheu Piritiba como sua terra. Como poderei esquecer das suas receitas: Benzetacil com Linfogex, para curar as minhas frequentes crises de amigdalite.
ResponderExcluirParabens pela entrevista feita com Dr Carlos,ele foi o médico de todos os Piritibanos da época, temos uma imensa gratidão por ele participar do nascimento da maioria dos oito filhos da familia, sendo 2 partos muito dificil,mas Deus usou muito Dr Carlos. ELI BASTOS DE SOUSA
ResponderExcluirParabéns pela entrevista, eu que tive meu avô Horácio Alexandre Damasceno, como seu primeiro funcionário na Prefeitura de Piritiba, com gari, ele gostava muito do meu avô.
ResponderExcluirGilton Damasceno
Roberval Oliveira - fragmentos de versos de um discurso de Dr.Carlos: "Com o espírito na mão e o coração na mente,eu vejo esse povo Piritibano reduzindo-se ao velho personagem de Monteiro Lobato, Jeca Tatu!"
ResponderExcluirFez muito por minha querida e amada cidade PIRITIBA
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