Fumando, tragando e mergulhando no Pontilhão
Lourimar Ferreira Borges
A praça escura recebia as réstias de uma luz azulada que emanava da “petromax” do bar de Josué, enquanto nós permanecíamos sentados sobre os postes de cimento que dentro em breve transportaria a luz de Paulo Afonso. Ali, contávamos vantagens disponíveis, porem breves, e tirávamos as primeiras tragadas no “Continental” sem filtro ou “Astória”, mais conhecido como “arromba peito”. Peito não chegava a nos preocupar, pois tínhamos peito de sobra, inclusive peito com pedra, o que motivava as mais loucas e desastradas teorias sobre estas pedras em nossos peitos. O que seria “essa pedra em meu peito”, alem de verso de samba canção ou “dores de amores” em música de fossa? Seria um tumor, uma verruga, cabelo encravado, uma espinha, o que fosse, não contaria pra mãe. Com os peitos empedrados e as mãos ameaçadas de se tornarem cabeludas, se não contivéssemos o ímpeto de buscar prazeres em novos vícios, íamos driblando a vigilância daqueles que velavam pela nossa pureza, a esta altura, irremediavelmente comprometida. Várias vezes entrávamos num “barato” total, um estado de letargia quase demência, que só viria a experimentar sensação semelhante muito tempo depois, fruto de alguns leves tapas de “baseado” no início da década de 70. Todo este “barato” era decorrente de nossa iniciação como fumantes e futuros sócios da Souza Cruz. Ficávamos escondidos no tanque vazio da “manga” de “Seo” Vicente Santana, atrás da praça Getúlio Vargas, puxando longos e curtidos tragos de cigarros comprados ou filados de alguém merecedor de nossa confiança. Para depois, completamente tontos, tentarmos chegar a superfície, escalando os barrancos que ladeavam a profunda escavação. Sem saída, literalmente no fundo do poço, ficávamos a mercê do efeito do “barato”, até que a gostosa sensação se dissipasse de vez e pudéssemos voltar à tona. Quando em casa começaram a desconfiar de certo cheiro de cigarro em minha roupa, em especial na camisa, senti que era o momento de adotar alguns cuidados no prosseguimento da minha prematura carreira de fumante. Cuidados que também se estenderam aos banhos na Passagem, no Pontilhão ou no açude de Mamede. Nestas ocasiões, após longas tardes de mergulhos e saltos ornamentais (que pretensão!) na trincheira do Pontilhão por exemplo, voltávamos pra casa seguindo os trilhos do trem da Leste. O sol muito forte atenuava os vestígios da desobediência maternal, enxugando assim, o cabelo e a roupa molhada. A salinidade da água do Pontilhão, como das demais aguadas da cidade, deixava os nossos cabelos eriçados como um porco espinho, alem de provocar uma vermelhidão denunciadora em nossos olhos de espanto e medo. A madeira descia, o castigo se impunha e nós batíamos em retirada até as próximas trovoadas, quando tudo já estava devidamente esquecido, as cacimbas cheias, o açude sangrando e a “passagem” correndo.
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