quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

REMINISCÊNCIAS

NO CAMINHO TINHA UMA JACA, TINHA UMA JACA NO CAMINHO

Se lembra da jaqueira
A fruta no capim
O sonho que você contou pra mim
Os passos no porão
Lembra da assombração
E das almas com perfume de jasmim
Se lembra do jardim ó maninha
Coberto de flor
Pois hoje só dá erva daninha
(Chico Buarque de Holanda)


Na rua onde moro tem uma exuberante jaqueira, hoje carregada de frutos, alguns já maduros e caindo no solo, deixando no ar o seu cheiro característico. No rádio do carro Chico cantando “Maninha”. Parei e apanhei uma jaca madura, imaginando o que seria da cabeça de alguém que por ali passasse na hora da queda do fruto.
Por que a jaca não dá como melancia, esparramada no chão? A resposta, se Deus tem, e tem, não foi contada para nós pobres viventes.
Pois bem. Levei a fruta para casa e com, uma faca afiada, sob o olhar ainda mais afiado da patroa, preocupada com a sujeira que eu iria aprontar. Cortei-a no meio (a jaca, naturalmente) e diante daquele visgo que caracteriza a jaca dura, o meu pensamento viajou, viajou até a nossa infância, quando colhíamos aquele visgo num pedaço de madeira e estava armada a isca para pegar os indefesos passarinhos no pasto de Seu Vicente. Se fosse um canarinho cantador ou um sabiá laranjeira  o destino era a prisão perpétua. Já se fosse uma rolinha, bem, aí o castigo era mais severo: morte imediata com retirada das penas e entranhas e posteriormente uma porção de sal era colocada sobre o seu (da rolinha) corpo frio e inerte. Para completar , após a sua cremação parcial, era envolta em uma porção de farinha . O final não precisa falar porque você também já fez isso.
Os tempos mudaram. Hoje seriamos criminosos. Crime inafiançável: matadores de passarinhos.
Antes de terminar a prosa, minha mulher me chamou querendo saber como limpar aquele maldito visgo que insistia em não deixar a faca. Ela já tinha gasto sabão de montes, quilos de Bombril, Limpol com glicerina. Nada funcionou.
Logo vi que ela não conhecia nada da jaca e do seu visgo. Acho que nem mesmo o querosene com o que limpei a faca.
Sobre a jaca: uma delícia com sabor de infância.
ADAELSON ALVES SILVA

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