domingo, 17 de julho de 2011

COLUNA DO BAZO (LOURIMAR BORGES)

COM A CORDA E A  CAÇAMBA
Pela topografia que a cidade apresentava podia se estabelecer dois planos distintos para a sua geografia; um sendo a cidade alta e outro como a cidade baixa. Por esta visão, a Praça Getúlio Vargas, Sobradinho, São Domingos, Mistura, Rua da Palma, metade da Rua dos Ricos, metade da Rua da Igreja, corresponderiam a parte alta da cidade; aquela que em caso de um dilúvio, se transformaria num ancoradouro para os náufragos ou em caso de uma explosão da bomba de gasolina de Miro, se encarregaria de contabilizar os mortos e feridos pela bagaceira. A parte baixa incluiria o Bate Bico, Estação da Leste, Praça da Feira, Passagem, Desnatadeira, a outra metade da Rua da Igreja e dos Ricos, Curral do Conselho entre outros logradouros. O que a natureza insinuou dividir, não chegou a se confirmar na convivência diária entre seus habitantes. Até porque, qual a corda e a caçamba, as partes baixa e alta da cidade formavam um todo interligado, onde a existência de uma era a razão da outra.
 “Aquilo lá embaixo”, segundo o local de observação de alguns, se bastava pelo trem da leste, o cuscuz de Dona Balbina e as meninas do guarda chaves. Não era bem assim. O centro comercial e nervoso da cidade era “aquilo lá embaixo” mesmo. Quem quisesse um chapéu Ramezzoni, um terno de casimira inglesa, era com a loja de Dário Rios. Bicos e rendas para os babados das saias das moças, só no armarinho de Nelson Martins. Cobertor “dorme bem”, travesseiro de espuma, sapato Vulcabrás, procurava a loja de Zuzinha. Cortes de chita, brim curinga e cambraia de linho para o vestuário da família, era com a loja de Herundino Neves. Sem faltar o magazine de Chico Batista, a loja de inconveniência de João Andrade, Nair e Rute, os entrepostos atacadistas de Batista Cardoso, Antiacho Lima, João Melquíades, Durval Miranda etc, alem do puteiro, claro. Pulando a cerca deste mundo carnal, como quase todo mundo pulou, não havia um terno de linho branco que não tivesse suas pregas e curvas visitadas pelas generosas e hábeis mãos de Ramila e Amanda. Ninguém passava ferro como Ramila e Amanda, mesmo sabendo o risco que o duplo sentido pode dar a esta frase.
Por outro lado, na parte de cima era oferecida a crença e a fé, representadas pelos templos católico e protestante; a cultura e o saber, através da escola Almirante Barroso e do Prédio Rural; o lazer e a esbórnia, com a 27 de setembro, o “vai e vem”, os bares e o campo de futebol. Vivia-se em plena harmonia política, social e mesmo religiosa, apesar da predominância da população protestante na parte baixa da cidade. No entanto, era de se imaginar, que em caso de uma conflagração sediciosa entre os irmãos, não seria difícil a formação de um exército de Brancaleone, por ambas as partes. Aqui por cima, poderia ser iniciada a convocação dos recrutas, com a tropa de choque de João Macedo, Gildásio de Leonardo, Nêgo Martinho, Froilan, Cordeiro, Hamilton e Ailton Fedulo, netos de Dona Amália, entre outros bravos da área. De modo semelhante procederia a parte baixa, quer dizer de baixo, que não prescindiria de combatentes valorosos como Darinho de João Melquíades, Argileu, Cói, Vanderlei, Zildenor, Teminha, Brando e do recém chegado Zito, que deixava o Massambão para trás, em busca da civilização.
Nunca chegamos a tais extremos, é verdade, pois a nossa única batalha era mesmo o campo de futebol. Um campo de futebol com bola de meia, neutro e democrático, como aquele em que se transformava a Praça Getúlio Vargas, ainda distante, muito longe da urbanização que viria alguns anos depois.

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