Lucimar da Silva Ayres de Almeida
Este fato ocorreu no Século Passado, quando os homens ainda usavam currião, entre o fim dos anos 60 ou início de 70, no tempo que os meliantes de Piritiba eram ladrões de galinha, facilmente identificados, pois naquela época todos se conheciam e não havia preocupação nem mesmo de fechar as portas das casas e aquelas que ficavam fechadas podiam ser abertas por fora, através de um cordão amarrado ao ferrolho. Assim, por estarem acostumados à rotina da cidade onde todos eram amigos ou compadres, qualquer estranho que aparecesse na terra despertava logo a atenção.
Um dia, chegou um fusca na cidade, com dois ou três homens, vestidos de paletó e gravata, estacionando na porta de um dos poucos bares da cidade, logo despertando a curiosidade das pessoas que se encontravam no local. Em seguida, desceram do carro e entraram no bar, dirigindo-se à pessoa que estava atendendo atrás do balcão para pedir informações sobre Dr. Carlos Ayres. Até aí tudo bem, mas a novela começou quando também perguntaram sobre os homens mais abastados da cidade. Pronto, isso foi suficiente para associarem os forasteiros a meliantes e à medida que o bar ia se esvaziando, a notícia se espalhava pela cidade como rastilho de pólvora. Tinha meliantes no pedaço!
Os homens de currião, todos amigos e solidários, foram avisar a meu pai e armaram uma estratégia de guerra para combater os “marginais”. Destacaram um ou dois “combatentes” para informar aos caras horário e local do encontro com Carlos Ayres, outros ficariam dentro de nossa casa, local marcado para o encontro, em pontos estratégicos e outros ficariam na rua. Os revolveres de cabo de madrepérola (acho que Taurus), espingardas, rifles etc. saíram dos baús e assim, com o exército armado, a guerra estava preparada. Meu pai deveria receber os forasteiros na sala e os soldados armados, dentro dos quartos e na copa. Na rua ficariam outros bem posicionados, tudo muito bem estudado.
Assim feito, os rapazes chegaram, foram recebidos por meu pai na sala da frente, enquanto os soldados do exército solidário, com armas em punho posicionavam-se dentro e fora de casa. Os que ficaram na rua abrigaram-se atrás de carros estacionados e outros nas casas que ficavam em frente a nossa e para prevenir, esvaziaram os pneus do fusca dos “meliantes”.
Nesse clima, os homens de paletó chegaram e foram recebidos por Carlos Ayres no local pré-determinado. A conversa entre a provável vítima e os forasteiros demorou um pouco aumentando a aflição. De repente meu pai levantou e foi abrir o cofre, retirando de lá um maço de dinheiro. (Nesse momento dava para sentir no ar uma das músicas dos filmes de Hitchcock). Meu pai voltou para a sala onde se encontravam os rapazes e, de repente, saiu conversando com os homens para levá-los tranquilamente ao carro e aí quase o tiroteio corre solto.
Acontece que os rapazes eram vendedores de livros e alguém em Mundo Novo tinha dito que em Piritiba procurassem Dr. Carlos Ayres e o meu pai, com o seu costumeiro desligamento, ficou olhando os livros e esqueceu do aparato policial.
Resultado: os infelizes quase morrem de susto e depois de resolvida a questão dos pneus se mandaram da cidade, sem olhar para trás. Assim, com a rapidez que o exército foi organizado, também foi desfeito e os homens de currião seguiram seu rumo como cidadãos pacatos e solidários.
* Currião – Cinto ou cinturão.
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